Mensagem do dia

14 fevereiro 2018

Depois do carnaval 2018

Terminado o Carnaval, eis que nos encontramos com os seus melancólicos despojos:
Pelas ruas desertas, os pavilhões, arquibancadas e passarelas são uns tristes esqueletos de madeira;
Oscilam no ar farrapos de ornamentos sem sentido, magros, amarelos e encarnados, batidos pelo vento, enrodilhados em suas cordas;
Torres coloridas, como desmesurados brinquedos, sustentam-se de pé, intrusas, anômalas, entre as árvores e os postes.
Acabou-se o artifício, desmanchou-se a mágica, volta-se à realidade.

                                    À chamada realidade.
Pois, por detrás disto que aparentamos ser, leva cada um de nós a preocupação de um desejo oculto, de uma vocação ou de um capricho que apenas o Carnaval permite que se manifestem com toda a sua força, por um ano inteiro contido.

Somos um povo muito variado e mesmo contraditório: o que para alguns parecerá defeito é, para outros, encanto. Quem diria que tantas pessoas bem comportadas, e aparentemente elegantes e finas, alimentam, durante trezentos dias do ano, o modesto sonho de serem ursos, macacos, onças, gatos e outros bichos? Quem diria que há tantas vocações para índios e escravas gregas, neste país de letrados e de liberdade?

Por outro lado, neste chamado país subdesenvolvido quem poderia imaginar que há tantos reis e imperadores, princesas das Mil e Uma Noites, soberanos fantásticos, banhados em esplendores que, se não são propriamente das minas de Golconda, resultam, afinal, mais caros: pois se as gemas verdadeiras têm valor por toda a vida, estas, de preço não desprezível, se destinam a durar somente algumas horas.

Neste país tão avançado e liberal — segundo dizem — há milhares de corações imperiais, milhares de sonhos profundamente comprimidos, mas que explodem, no Carnaval, com suas anquinhas e casacas, cartolas e coroas, mantos roçagantes (espanejemos o adjetivo), cetros, luvas e outros acessórios.

Aliás, em matéria de reinados, vamos do Rei do Chumbo ao da Voz, passando pelo dos Cabritos e dos Parafusos: como se pode ver no catálogo telefônico.
Temos impérios vários, príncipes, imperatrizes, princesas, em etiquetas de roupa e em rótulos de bebidas.
É o nosso sonho de grandeza, a nossa compensação, a valorização que damos aos nossos próprios méritos…

Mas, agora que o Carnaval passou que vamos fazer de tantos quilos de miçangas, de tantos olhos faraônicos, de tantas coroas superpostas, de tantas plumas, leques, sombrinhas…?

E falando de coisas de verdade, Mas os homens gostam da ilusão. E já vão preparar o próximo Carnaval…

  “Depois do Carnaval”, texto de Cecília Meireles extraído do livro “Quatro Vozes”, Editora Record – Rio de Janeiro, 1998, pág. 93.

Um comentário:

  1. Oi, querida amiga!

    Um texto fantástico da grande escritora Cecília Meireles.
    Que pensar de tudo aquilo que ela falou? Tanta verdade e tanta conjugação de factos!

    Acho que todos nós queremos viver uns dias, uns minutos de ilusão, talvez pke a realidade é dura. Como não aprecio carnaval, tenho de usar sempre o mesmo rosto, quer as coisas estejam bem ou mal. É preciso saber dar a volta e ser acima de tudo inteligente e consciente.

    Beijos, saudades e um lindo domingo.

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Para você tudo de bom e um carinho sempre novo em agradecimento pela sua presença no fim do arco iris. Abraços.

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